Vê a sinopse do Man on Wire, esboça um sorriso, estende-se na cama a olhar o tecto. Desvia o olhar para observar a luz do dia a extinguir-se na janela.
Inquieta-se com a pressa das estações que passam por si como um vulto sem rosto, enquanto que ele vai permanecendo imóvel, expressão fechada, esperando que algo o arraste, o empurre, talvez para o conforto da multidão. Olha o tecto.
Contempla-se sobre o fino fio do tempo que acelera debaixo dos seus pés, a linha que não domina, que se perde no horizonte, que o atravessa para onde ele desconhece, digo, para quando ele desconhece. Fecha os olhos e imagina a sensação de desequilíbrio. Poderá haver equilíbrio? Tudo gera espaços de desconforto. A admirável vertigem coisas. Sobretudo das coisas “certas”.
Percepções. Sentidos. Pensa no que será, é, mais assustador: a noção de desequilíbrio ou a queda. O desequilíbrio, pois claro, porque age sobre a consciência. A queda é impulso, sangue, leveza.
Não percebe por que permanece ali, quieto, mudo, inexpressivo, com aquele ar de quem controla aquilo que lhe foge debaixo dos pés. À espera de qualquer coisa. Com medo de sentir medo. Talvez com esperança que algo o leve a algum lado, o empurre, o ampare, lhe estenda a mão. Algo que o desobrigue de criar e gerir o seu próprio desequilíbrio. Masoquismo desnecessário.
Ele tira os olhos do tecto. Já é noite à sua janela. O dia voltou a fugir-lhe.