Il colore

Passados alguns minutos com ela, ele sabia que ela estava ganha. Ela tinha sido demasiado fácil, mas ele estava ainda interessado. Porque ainda havia umas coisas para fazer. E afinal ela era uma pessoa nova. As pessoas que ele conhecia eram todas tão cinzentas. As pessoas ficam cinzentas com o passar dos anos. Aborrecidas, desinteressantes e… cinzentas. E por enquanto ela ainda tinha cor. Ele, claro, tinha sempre cor. Ele era a cor. Ele era o arco-íris!

Mas ser sozinho tem pouca graça, mesmo quando se é em todo o esplendor. Quando se é jovem, bonito, convencido e cativante. E todavia isso tem sido, para ele, suficiente. Ser-se e gostar de se ser. Acima de tudo quando se é à semelhança daquela personagem desempenhada pelo Christian Bale no American Psycho que se olha ao espelho enquanto faz exercício para observar a definição exemplar dos músculos. E os músculos dele estão bem definidos. Ele vive para isso e para ganhar.

Mas ele pensava pouco em como gostava tanto de ser ele. Aliás ele pensava pouco, à excepção das actividades eminentemente intelectuais que tinha que desempenhar. Pensar não ajuda à definição dos músculos e não melhora o bem-estar, por isso é melhor não pensar. Podia pensar em coisas corriqueiras como a melhor maneira de desenvolver a situação que tinha criado com ela. Ele podia pensar nisso. Mas pensar noutras coisas era uma actividade non gratta que causava cabelos brancos. E os cabelos brancos são indubitavelmente indesejáveis.

Ele pensava quase tão pouco como ela pensava demais. Mas ainda não sabia disso no meio da conversa alegre e nada desinteressada que mantinham. E por isso ele via potencialidades naquele encontro. E isso fazia-o sorrir e rir, mesmo quando não havia nada de engraçado na conversa que continuavam. Era o (sor)riso de um predador. Ela tinha um ar pesado de medo e ele um ar desinteressado de interesse, mas ambos sabiam o interesse mútuo.

Ele já sabia como reagir a este tipo de encontros fortuitos e sabia que podia improvisar à medida que as coisas iam acontecendo. Era fácil. Ele percebia o interesse e começava a diminuir o espaço que dava à outra pessoa até ela estar encurralada e não havia outro final possível. As pessoas são, na maior parte dos casos, muito previsíveis. Um galanteio certo, uma mão no sítio certo, um sorriso irresistível et voilà. Ele procurava sexo, mas dizia-se um romântico tímido. Os estereótipos devem funcionar.

Mas ela era tão fácil que tornava tudo menos interessante à medida que ia acontecendo. Dava pouca luta, mas fazia perguntas difíceis e ele não queria pensar nas respostas a essas perguntas. Ele tinha que a despachar o mais rápido possível. Uma noite de sexo seria suficiente.

As noites

Noites e noites e noites. Sozinha, mesmo quando no meio daquelas pessoas. Elas não sabem nada. Posso sorrir quando estou com elas, posso rir, delas, com elas. E julgam que partilho as suas sensações. Consigo enganá-las sem sequer me esforçar.

Engano-as porque não posso correr o risco que percebam. As noites. Sozinha. A inevitabilidade. Não posso correr o risco das perguntas. Posso enganá-las com os sorrisos mas não as posso enganar com as mentiras. Disfarço apenas quando não perguntam, quando não exploram, quando não tentam.

Por isso finjo. Finjo interesse. Excitação. Empenho. Mas são todas manifestações vazias da marioneta que me dirijo. Consigo enganá-las.

Todas estas pessoas. Pessoas. Pessoas. Pessoas. Que dizem coisas sem sentido e vivem herméticas nas suas vidas com objectivos. Detesto-as porque me aborrecem com os gestos correctos, as acções controladas e horas de sono certas. Detesto-as porque me irritam com os descontrolos ocasionais, as vidas inconsequentes. E não se importam com isso.

Noites e noites. Sozinha. Quando ando pelas ruas acompanhada pelos fantasmas que nãos se vêem, mas que sei que me perseguem. Finjo. Finjo. Decisões e objectivos que me são indiferentes. E torno-me um deles para eles que fingem não me ver.

Noites. Só, entre os loucos.


 

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